Rosalía / Lux. Foto: Reprodução.

Rosalía – Lux

Depois do eletrizante Motomami, Rosalía volta em um território completamente diferente com LUX. Seu quarto álbum de estúdio abandona as batidas pop e o humor brincalhão do trabalho anterior para se tornar algo mais denso, quase espiritual. É menos um disco de canções e mais uma obra musical de vanguarda: uma mistura de música clássica contemporânea, experimentação vocal e ambição conceitual que exige do ouvinte entrega total.

Gravado com a London Symphony Orchestra e dividido em quatro movimentos, LUX soa como uma ópera moderna em que cada faixa se conecta à seguinte por meio de texturas, silêncios e climas. Há momentos em que a voz de Rosalía parece um instrumento de corda, vibrando entre coros e arranjos orquestrais. Em outros, ela se recolhe em camadas de sons eletrônicos delicados, mantendo sempre uma sensação de solenidade e mistério. A artista canta em vários idiomas — espanhol, catalão, latim, árabe, japonês, português — e transforma a língua em gesto, em ritmo, em corpo sonoro.

Entre os destaques, “Sexo, Violencia y Llantas” se impõe como um dos momentos mais desconcertantes do álbum. A faixa começa com um canto sombrio, em registro grave, sobre uma percussão que lembra o ruído de motores e metais, lembrando um ambiente industrial e visceral. Aos poucos, a música cresce em intensidade, misturando cordas e sintetizadores num crescendo que parece falar sobre o colapso do desejo e da carne. É o momento em que o corpo reaparece — mas sem erotismo leve ou festivo: aqui, o sexo é metáfora de poder, exaustão e ruína.

Em contraste, “Reliquia” é um dos pontos mais etéreos e emocionais do disco. A canção parte de um arranjo quase litúrgico, sustentado por um coral feminino e por uma linha de cordas minimalista. A voz de Rosalía surge como prece, ora próxima, ora distante, como se viesse de outro tempo. Há algo de lamento e redenção nessa faixa — um encerramento simbólico para a jornada espiritual que atravessa LUX. “Reliquia” é onde o sagrado e o humano se encontram, e onde o álbum finalmente repousa depois da intensidade dos movimentos anteriores. Quem assina a produção é Guy-Manoel de Homem-Cristo.

“Berghain”, parceria com Björk e Yves Tumor, que já indica o caminho: uma composição que combina piano, cordas e batidas contidas, oscilando entre o mundano e o sagrado. Em “Porcelana”, a voz surge quase nua, sustentada por poucos acordes, criando um momento de pausa e vulnerabilidade. “Mio Cristo Piange Diamanti” mergulha no místico, aproximando Rosalía do canto litúrgico, enquanto “La Rumba del Perdón” revisita o flamenco e a rumba de forma desacelerada, mais como reflexão do que celebração. Em “Memoria”, que encerra o álbum, há um sentimento de reconciliação, um respiro depois do drama.

O impacto de LUX foi imediato. Mesmo sendo um trabalho exigente, de audição atenta e sem foco em singles, alcançou números impressionantes de streaming e se tornou o lançamento mais comentado da carreira da artista. Mas o que mais chama atenção é o gesto: depois de conquistar o mundo com Motomami, Rosalía escolheu seguir um caminho de introspecção e complexidade, em vez de repetir o sucesso.

Se o álbum anterior era corpo, velocidade e prazer, LUX é espírito, silêncio e contemplação. Onde antes havia festa, agora há ritual. A cantora deixa de ser uma popstar que domina o palco e se torna uma compositora que desafia o próprio gênero — uma artista que não tem medo de trocar o aplauso pela dúvida.

Ouvir LUX é aceitar um convite para desacelerar, fechar os olhos e se perder nas camadas de som e de significado. É uma experiência que não se explica em uma escuta rápida. O disco se revela aos poucos, em detalhes quase imperceptíveis, nas pausas e nos ecos. É um trabalho que não busca agradar, mas transformar. E, talvez por isso, seja o momento mais ousado e belo da trajetória de Rosalía.

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