Em “Mas Você Não Desistiu”, Christian Camilo emerge da narrativa poética de Bob Dylan, Nick Cave e Zé Ramalho.

Sim, apesar de criarem universos que muitas vezes não se conversam, Dylan, Cave e Ramalho são expoentes máximos de uma narrativa poética, trovadores contemporâneos, e é dessa linhagem que Christian Camilo emerge.

Após 10 anos sem gravar, Camilo retorna à cena musical, surpreendendo pela maturidade e pela singular capacidade de envolver o ouvinte com uma narrativa poética em cada uma das 12 faixas de “Mas Você Não Desistiu”.

O músico fez parte das bandas Instiga e Fiz no Cometa, de Campinas (SP). Musicalmente, assim como nos artistas já citados, a influência do folk é clara, mas também há espaço para nuances new wave, devido às construções das camadas dos teclados. Esses elementos são a embalagem perfeita para músicas intimistas que abrem espaço para seu estilo lírico.

O título do álbum, “Mas Você Não Desistiu”, sugere uma pergunta frequente que o artista deve ter recebido em tempos de ostracismo musical. O álbum foi lançado em 7 de outubro.

Fazer essa comparação com nomes consagrados serve apenas para situar Camilo em um universo sonoro, mas sua música é, sem dúvida, muito singular. Logo de cara, “Meu Malibu” impacta pela profundidade lírica e melancólica, narrando sua história com seu cachorro, uma experiência vivida na infância.

Como em toda obra, “Árvore” nos presenteia com um folk que, embora mantenha a essência do gênero, se destaca por uma linha de baixo marcante e uma bela base de violão, com camadas sobrepostas do instrumento. Liricamente, a música apresenta uma visão de resiliência e otimismo sobre uma doença superada.

“De Verdade, Me Desculpa”, por outro lado, apresenta um lado cínico a um pedido de desculpas, como no trecho inicial da letra: “De verdade, me desculpa, quando falei aquelas coisas pra você, eu não quis te ofender, mas você é sensível como a flor”. Assim, o ato de arrependimento ecoa em lados opostos, entre a desculpa genuína e a irônica. Musicalmente, é uma faixa mais alegre (ou menos triste), com baixos pulsantes e backing vocals fazendo um beat box bem interessante e colaborando para manter o clima “pra cima”.

“Poeta do Caos” traz um clima new wave e post-punk melancólico, com linhas vocais que encontram similaridade com o mestre Zé Ramalho. Um clima etéreo toma conta da faixa, com teclados que ambientam toda essa melancolia. Poesia pura, como no trecho: “Você se vira, eu desatino em suas mãos, o choro, o abraço… meu verão!”.

Os timbres dos teclados e a melodia de outros instrumentos em “Você Me Fez” mergulham ainda mais na new wave, mas sempre embarcados em melodias melancólicas. A bateria repetitiva e com ar de eletrônica nos faz viajar pela letra. Aliás, é incrível essa capacidade de Camilo de juntar narrativa e poesia, e isso fica ainda mais claro nesta faixa.

“O Que Valeu da Tua Vida” inicia com uma gaita de boca que remete ao mestre Bob Dylan, mas logo se dissipa, trazendo o ouvinte à personalidade do artista. E como é bom ouvir um artista que flerta com suas influências, mas nunca as deixa sobrepor sua própria identidade.

As camadas de teclados, quando presentes, são sempre muito bem incorporadas à música, como em algumas faixas já citadas e em “Sobreviver”, além das onomatopeias feitas pelos backing vocals.

“Raio Amarelo” apresenta uma homenagem clara a Ayrton Senna, piloto de Fórmula 1. Sem se tornar piegas, a letra e a música nos transportam para o momento em que acompanhávamos Senna na TV. Talvez, se você não o viu em atuação, ela não o leve para esse lugar, mas para mim, a nostalgia das corridas de domingo bateu forte, principalmente com samples de motores acelerando ao fundo da música.

A essa altura do álbum, já estamos convencidos da originalidade e personalidade de Christian Camilo, que flerta entre o folk, o cancioneiro, a nostalgia e o som etéreo.

Mas ainda temos pela frente “Aquela da Cachorrinha”, “Naquela Rua”, “Tomado por Estrelas” e “Minha Teresa”, que em momento algum fogem da sua sonoridade, deixando o trabalho coeso do início ao fim. Em alguns momentos mais alegres, outros mais “pra baixo” e nostálgicos, as letras flertam com poesia e narrativas que, em muitos momentos, se fundem.

Ouça abaixo “Mas Você Não Desistiu” de Christan Camilo

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